sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Dezesseis de outubro

Enquanto a gente virava o apê de cabeça pra baixo, ela ficava no sofá tricotando. De tanto a gente insistir, de vez em quando ela entrava na bagunça e a diversão era garantida. No esconde-esconde, a hora mais engraçada era quando ela encontrava meu pai escondido e os dois saíam correndo até o pic rindo, mas com a seriedade de quem não queria perder a brincadeira. Quando eu e minha irmã entrávamos no corredor do prédio, ficávamos pedindo pra ela correr atrás da gente. Era só ela ameaçar que a gente caia na risada.

Nas nossas festas, era ela quem preparava o bolo, os doces e salgadinhos. A gente sentava no sofá pra ajudar e, mesmo atrapalhando, ela arrumava uma tarefa que a gente conseguia fazer, como empanar as coxinhas ou ajeitar os salgados na assadeira. Era uma verdadeira linha de produção.

E por falar em comida, é um privilégio ter na mesa pães de queijo quentinhos todo fim de semana. Quando eu morei em São Paulo, a mala até ficava pequena de tanta coisa que ela colocava dentro, e não adiantava dizer que não precisava. Mas cuidado e paciência nunca faltaram, principalmente em todas as vezes que ela teve que fazer curativo em mim, mesmo com toda a minha birra. Eu até quis ensiná-la a aplicar vacina uns meses atrás, vê se pode. Quando eu lembrei que ela faz isso há mais de 30 anos, a gente se olhou e riu.

Aliás, essa é a nossa especialidade, olhar um pro outro e sorrir. Nós temos o humor parecido e, sempre que acontece algo, a gente se olha e solta a gargalhada. Seja por algo que passa na TV ou alguma trapalhada que alguém faz lá em casa.
São muitas coisas para escrever, histórias engraçadas, ensinamentos de vida e de luta, dos anos que ela saia de casa antes das 6h e voltava depois das 23h para sustentar nossa casa, de tudo que ela fez pelos meus avós paternos e tudo o que ela faz pelo meu avô materno, do exemplo de filha, mãe, irmã, sobrinha, amiga e profissional.

Mas como ela é objetiva, vou ser prático na mensagem:
Mãe, que Deus continue iluminando seu caminho, que seu muquitão seja cada vez mais forte para continuar a luta e que o seu sorriso te torne cada vez mais fofa.
Você é e sempre será uma princesa, uma rainha, uma joia, uma noiva.
Eu te amo, mesmo você escrevendo um F com canetão vermelho em todas as minhas cuecas pra não confundir com as do pai.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Velho Amor Ainda e Sempre

Naquele instante o amor apareceu na minha frente, tão óbvio e inusitado, bem diferente de qualquer romance ou conto de fadas. Ele estava ali, exposto num lugar inadequado, num momento inesperado. Quase despercebido, o amor surgiu nos gestos de um senhor, que sem dizer “eu te amo”, mostrou que guardava em seu peito um sentimento puro.

Depois de 15 minutos, o senhor deixou o quarto da esposa, o período de visita da UTI tinha chegado ao fim. No corredor de saída, em meio a tanta gente e ao lado da filha e do neto, aquele homem virou-se e, de alguma maneira, tentava encontrar uma brecha para voltar ao quarto e mais uma vez se despedir de sua mulher.

Sim, ela era dele do mesmo jeito que ele era dela. Os dois se pertenciam, eram longos anos de companheirismo, paixão e amizade, que nenhum desencontro fora capaz de separar.

Ele só queria voltar à porta daquele quarto para talvez dizer que ali estaria novamente no dia seguinte, já que ele não podia arrancá-la e correr com ela em seus braços para longe dali. Ele só queria mais uma vez estar ao lado daquela senhora que por anos o acompanhou.

A filha, sem entender o que o pai queria, o chamou para ir embora e, em seguida, recebeu a resposta: “Eu quero falar tchau pra sua mãe.” Ela, que tinha visto os pais se despedindo, logo respondeu que ele já tinha feito isso.

O senhor, olhando meio sem jeito para a filha, disse: “Só mais uma vez.”

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Vazio

A gente faz promessas e não as cumpre
Vamos às urnas por uma mudança que nunca chega
A gente pensa que conhece a dor do outro
E finge saber o que pode torná-lo feliz

De fora fazem diagnósticos do que passa aqui dentro
E aqui de dentro eu permaneço sem saber
Se o que me alegra ao fim do dia é a sensação de dever cumprido
Ou alimentar a minha ambição por grandes conquistas

A vida vai muito além de lutar para conquistar
A oportunidade pode ou não bater à porta,
Isso não depende de esforço ou empenho
Uns morrem tentando, outros desfrutam sem mérito

Enquanto isso, eu permaneço aqui, sentado e prolixo
Com a falsa esperança de ser o senhor do meu destino
Tentando juntar escassos momentos felizes
Para montar o quebra-cabeça da minha felicidade

O que me resta é o vazio de nem ser alegre, nem triste
Esperando que um dos sentimentos prevaleça
Que a alegria inunde a minha alma de sorrisos
Ou a tristeza infeste minha mente, extraindo as melhores inspirações

Felizes são aqueles que vivenciam os sonhos
Tendo eles o tamanho que tiver
Isso não os torna menos tristes,
Mas certamente os deixa mais felizes.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Seis de Março

Eu conheço um cara que fazia um coelhinho com as mãos na sombra e imitava um velhinho cuidando do leãozinho nas histórias que contava pra eu dormir.
Eu conheço um cara que me acordava aos fins de semana com um bom e velho disco de samba.
Eu conheço um cara que jogava futebol comigo dentro do apartamento e organizava campeonatos de futebol de botão e futebol Pelé com a molecada do prédio.
Eu conheço um cara que acelerava na descida da Pedreira do Chapadão só pra gente sentir friozinho na barriga.

Eu conheço um cara que raramente fala palavrão e que, quando ficava bravo, dizia “pomba”. E quando vai ao estádio, xinga o juiz de tranca.
Eu conheço um cara que me fez ser viciado em Guarani e que sonha com o dia em que o Messi fará dupla com o Fumagalli no Bugre.
Eu conheço um cara que me deu o seu sobrenome e me ensinou que o diálogo é a melhor maneira de resolver as coisas.
Eu conheço um cara que me emprestou a chave do carro, mesmo eu tendo batido na noite anterior.
Eu conheço um cara que me deixou colocar o adesivo no carro “Não xou casado, XOXOTEIRO” e até hoje é chamado de xoxoteiro pelos frentistas do posto.

Eu conheço um cara que até pouco tempo atrás dizia pra eu não aceitar bebida de estranhos.
Eu conheço um cara que acredita que todos os seus trocadilhos são divertidos, mas que faz minha mãe e eu rirmos constantemente do seu jeito engraçado.
Eu conheço um cara que fica extremamente bravo quando aparece uma barata bem na hora que ele vai tomar leite.
Eu conheço um cara que coloca quilos de açúcar no cafézinho e ainda fica espantado quando o exame aponta níveis elevados de açúcar no sangue.

Eu conheço um cara que vivia falando mal de novela e hoje não perde um capítulo, que odiava celular e hoje não desgruda do whats.
Eu conheço um cara que sempre cochila quando joga paciência no computador.
Eu conheço um cara que vira e mexe ganha beijo de jogador de futebol e já foi chamado de senhor pelo Tony Ramos.
Eu conheço um cara que não pode ver o Cielo na TV que começa a chorar junto com ele.
Eu conheço um cara que no ano passado me ofereceu toda a sua poupança pra eu abrir uma empresa, ao perceber meu total descontentamento no trabalho.

Eu conheço um cara que jamais traiu seus pais e, por isso, perdeu o que tinha de mais valioso, a sua FAMÍLIA.
Eu conheço um cara que hoje vai receber poucas ligações de seus irmãos e sobrinhos, justamente por fazer o certo e lutar contra todos para que os seus pais tivessem um fim de vida mais digno.
Eu conheço um cara que sempre será o orgulho do seu Mauro e da Dona Aurora e que por muitas vezes teve o privilégio de ouvi-los agradecendo por tudo o que ele fazia por eles.

Esse cara que eu amo e tenho maior admiração, apesar de dormir com a minha mãe todos os dias.
Esse cara que fez aniversário sexta, que eu tenho o prazer de chamar de pai, grisa, grisalho e atende pelo nome de 
José Renato Moreira.

quinta-feira, 5 de março de 2015

Favor não ler

Primeiro e último texto sobre este tema, espero.

Uns culpam o PT, outros o FHC.

E a gente fica sem entender.
Pagando a conta e pagando pra ver.
A culpa é tanta que chegou às nuvens,
até São Pedro foi acusado.
Parece até brincadeira de Festa Junina.

Numa dessas, eu não podia ficar de fora.

Culparam-me por votar na Dilma
(no segundo turno, que fique claro),
sendo que do outro lado estava Aécio
que, no Congresso, fez menos que o Tiririca,
provando que o slogan “pior que tá não fica”
foi apenas uma boa jogada de marketing.

Se antes diziam que a maior qualidade dos petistas
era copiar o modelo tucano, agora virou o pior defeito,
com medidas que se assemelham ao modus operandi azul
e rompem com os direitos dos trabalhadores.

Se há 12 anos a Esperança venceu o Medo, agora ela perdeu pro Mesmo.
O mesmo modo de agir, de aparelhar o estado, de se corromper.
O PT aprendeu direitinho e hoje faz pior que os antecessores.

Já confundem até a posição do partido. Esquerda, centro ou direita?

A verdade é que o PT está sem rumo e os seus princípios
foram condenados, mas não absolvidos, como os mensaleiros.
Do PSDB, vou fazer igual a alguns da imprensa: prefiro nem comentar.
Segue o trem, São Paulo não pode parar. Com ou sem água.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Do seu lado

Setenta anos depois,
Como sacramentado no altar
Era o fim de uma vida a dois,
A morte veio lhes separar

De repente, da noite para o dia
O inesperado infortúnio aconteceu
E mesmo com os gritos de Maria
No sono eterno Antônio permaneceu

Enquanto jazia o seu velho namorado,
O amor de Maria se eternizava
E o seu pobre coração amargurado
Com toda força a morte desejava

Lembranças, histórias, retratos de família
Naquela casa tudo lembrava o velho Tonho
A saudade com o tempo corroia
E cada dia se tornava mais tristonho

No primeiro aniversário de morte
Chegara a hora de rever o falecido
Vestindo preto e tentando ser forte
Relembrava o seu cortejo mais sofrido

A emoção deixara seu olho marejado
E a impediu de perceber o inusitado
Estava ali, mas não diante do amado
Chorando em vão sobre o túmulo ao lado. 

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Antigamente

O relógio marcava 10 horas quando o despertador tocou pela primeira vez, naquele que parecia ser mais um dia comum. E realmente foi.
Aos 50 anos, Adauto já não esperava muita coisa de um domingo e se contentava em passar o dia em casa, descansando com a família.
Passados 5 minutos, o celular finalmente despertou-o e apresentou aos seus olhos uma manhã ensolarada de céu limpo.

Chegando ao banheiro, após expelir um longo jato urinário matinal, aparou a imponente barba com o barbeador elétrico, seu mais novo presente de dia dos pais. Em seguida, dirigiu-se à cozinha, onde estava sua mulher com a mesa posta.
Depois de tomar o café, não restava alternativa a não ser ir à sala passar o tempo com qualquer coisa na TV, já que, diferente de anos atrás, não era mais necessário reservar o domingo para descongelar a geladeira, nem ir à banca comprar o jornal. Tudo estava ao alcance dos seus dedos e, com poucos cliques, podia limpar a geladeira e ler as notícias em seu tablet.

Antes de chegar ao sofá, aproveitou para reclamar do filho, que logo cedo já estava no vídeo game, e da distraída filha, que viajava no mundo virtual do seu smartphone.
Enfim, o velho Adauto afundava o enrugado corpo no sofá macio, ao lado de alguns controles remotos, de onde podia coordenar a maioria das ações ao seu redor, interrompido apenas por suas necessidades fisiológicas.
Já acomodado, ligou a sua SmartTV e começou a zapear os canais, até lembrar de acessar o aplicativo da Netflix e escolher seu show de música favorito on demand.

Após dar o play e ajustar o som do home theater, Adauto demonstrou uma sensação agradável ao poder usufruir as maravilhas do mundo moderno, alterando o clima da sala com o controle remoto do ventilador de teto.

Demorou pouco para que o bom e velho clássico musical dos anos 60 tomasse conta da sala e entusiasmasse o saudosista cinquentão, que em absoluto êxtase, não hesitou ao dizer: “Essa época que era boa, não se faz mais nada como antigamente.”